O sofrimento da perda…

Rubem Alves, ao se debruçar sobre a dor que sentiu diante da perda de um amigo, escreveu o texto “Quando a Dor se Transforma em Poema”.

O luto é um processo sofrido e necessário. Como não sofrer diante desse “nunca mais” que a vida nos impõe? Nunca mais o sorriso, nunca mais o abraço, nunca mais as palavras. Diante do nunca mais, as lembranças, o choro e a dor é o que temos para afrontar a ideia de esquecimento. Neste momento, o sofrimento tem a capacidade de exprimir no corpo a lembrança daquele que se ama. E um dia a dor se torna mais calma e a lembrança menos amarga. Mas é um processo. 

Quanto tempo dura o sofrimento? O tempo para uma gota de chuva se apoiar e depois escorregar em uma folha? O tempo da lágrima fluir dos olhos e resvalar pelo rosto? Um pouco mais. Talvez o tempo do temporal todo cair ou das lágrimas secarem. Não há nada de errado ou inadequado em sentir a tristeza, significa que o trabalho subjetivo do processo de luto está em marcha. Existe após a perda uma necessidade da separação, que demanda uma reconstrução da vida sem o outro. É o que o luto permite: a elaboração do que aconteceu e a possibilidade de enxergar o caminho para enfrentá-lo.

“Não chora”, “vai passar”, “tudo vai dar certo”, “amanhã você vai ficar melhor” anunciam uma tentativa de calar o sofrimento. É difícil ver alguém sofrer, mas o sofrimento é necessário e grita de uma forma ou outra. O que é cheia de representação é a presença. Às vezes silenciosa, às em forma de abraço, às vezes em forma de outras palavras: “estou aqui”.  Diante de uma pessoa que perdeu, ser presença é sinal do cuidado mais atento.

O ritual de despedida é de extrema importância para a elaboração do luto e têm o papel de ser um marcador da perda, oferecendo um espaço para o compartilhamento das memórias e sentimentos, além de ser uma maneira concreta de realizar uma despedida, por meio das tradições culturais e familiares.

Uma vez assisti a um documentário sobre o ritual de despedida dos povos indígenas do Xingu. O ritual era realizado em dois dias, com troncos de madeira talhados e pintados, representando os mortos. As pessoas cantavam e dançavam em volta de uma fogueira, com passos cadenciados pelo som dos maracás. Havia choro e momentos de lamentações. E depois, no dia seguinte, com o nascer do sol, iniciava-se um ritual de agradecimento pela vida, com dança, luta e uma corrida até o rio, onde entregavam-se às águas. E o ritual terminava.

É muito representativo que com o nascer do sol o tom do ritual é modificado. As lamentações e o choro abrem espaço para o agradecimento pela vida. O sol traz luminosidade para o caminho. Depois do sofrimento é possível enxergar o caminho.

Quando o sofrimento termina? Quando uma gota de chuva que apoiava em uma folha cair? Quando a lágrima que flui dos olhos escorregar pelo rosto? Talvez quando for possível entregar-se às águas do rio, encontrar novos sentidos e assim reconectar.

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